Até o fim da música

Samuel Rosa, do Skank, descobriu que ninguém mais ouve músicas até o fim. Ele dirigia o carro, levando filhas e amigas, e, incomodado com a troca constante de faixa após segundos de execução, arriscou-se a perguntar: “por que vocês trocam a música antes do fim?” A resposta da filha, naquela ênfase bem adolescente, doeu como um soco no peito: “pai, ningueeeeém mais ouve a música inteira!”.

Me peguei sorrindo sem graça, assistindo à entrevista na TV, e passei a lembrar de quando DJ Alok veio à cidade vizinha onde moro, em dezembro de 2018. Fomos curiosos para experimentar, ao vivo, o que originava tamanha fama mundial. E, para mim, foi um soco semelhante. Aliás, vários, em sequência, como num corner de boxe: o show só tinha refrão!

Era só o ponto alto de músicas conhecidas. Uma colagem de refrões, que enlouquecia e mobilizava, sem descanso, a plateia. Que mané começar pela estrofe, esperar o tempo de cantá-la até o fim, uma vez, duas vezes, para em melódicas preparações, encher o pulmão de ar e, aí sim, gozar em alto e bom som do refrão. Não, o caminho não importa mais, só o ápice. Satisfação imediata.

É só a descida da montanha-russa, sem aquele maravilhoso friozinho na barriga do instante anterior, nem o prazeroso tempo de recuperação de uma reta plana. Refrão, fim da música, outro refrão, fim da música? Com 10 minutos, percebido o método, eu já estava exausto. Física e psicologicamente.

E, como Samuel Rosa, me confesso pasmo ao constatar que chegamos ao tempo em que as músicas já não são inteiras. Chegamos a um tempo em que se perdeu a unicidade da música, abdicamos de sua fruição como obra única, completa. Despedaçada em trechos, ela morre antes de cumprir seu mais nobre fim: nosso encantamento com sua mescla de sons, silêncios e tempos.

Ilustração: Juninho Betim